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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Os produtos da floresta

O conteúdo abaixo é baseado em crenças e no folclore regional da Amazônia, de autoria da Editora Horizonte Ltda.

O perfume da priprioca está em quase todos os banhos-de-cheiro do Pará

Seu uso está tão difundido que o tubérculo da planta ralado é encontrado para venda em saches em qualquer banca ou loja de produtos naturais de Belém. Pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Embrapa e de três universidades da região desenvolvem pesquisas sobre a planta, considerada o "cheiro do Pará" com sua fragrância levemente amadeirada e picante. A priprioca é cultivada em escala comercial há mais de 30 anos no estado. Em nenhuma outra região da Amazônia seu uso é tão popular e é possível comprá-la com tanta facilidade.

O urucum, usado como tintura pelos indígenas, é também aproveitado na culinária e como medicamento na Amazônia

As mesmas sementes da Bixa orelana, que são a base das pinturas vermelhas usadas pelos índios para adorno corpóreo e proteção contra os raios solares, são trituradas E aproveitadas na culinária cotidiana das cidades e vilarejos da Amazônia, principalmente como uma espécie de coloral para os pratos. Das folhas do urucum são extraídas substâncias com propriedades farmacológicas para o tratamento de problemas de estômago, intestino e como antiinflamatórios para contusões e feridas

Os segredos dos remédios da Amazônia estão nas plantas


Nem canhões, nem metralhadoras. Em missões pela Amazônia, um navio da Marinha de Guerra carrega um outro arsenal: remédios, analgésicos, antibióticos, antiinflamatórios, vacinas, vitaminas. Produtos de tecnologia avançada, desconhecidos da maioria do povo amazônico, gente que usa a floresta como farmácia. O capitão-de-corveta Antônio Barbosa quer saber que segredos guardam as árvores, as folhas.

Movido pela mesma curiosidade que leva para a Amazônia cientistas do mundo inteiro, o doutor do navio-hospital quer conhecer as receitas caseiras, como o xarope que a dona de casa Odete Lima costuma fazer. Ela pega os ingredientes no quintal de casa: folhas de mangueira, de jambo, um ramo de erva cidreira e hortelã. As folhas, cortadas e lavadas, vão para a panela, com água e açúcar. "Quando a criança está muito atacada com gripe ou tosse, eles dão os medicamentos da farmácia. Quando não resolve, eles me procuram. Se não tiver em casa, eu faço. Eles dão e a criança fica boa", conta dona Odete. Algumas horas depois, o xarope está pronto. O farmacêutico prova e aprova. "Ele dá um efeito refrescante. A sensação de dormência na língua é uma característica do jambo. Não tem efeito colateral, desde que o paciente não seja diabético", diz o oficial farmacêutico da Marinha.

A selva amazônica guarda fórmulas de vida ou morte. Cientistas que estudam a mais cobiçada mata do planeta caminham no fio da navalha. Ainda será preciso pesquisar muito para separar remédio e veneno. O Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa) tem um trabalho pioneiro. A pedido do Ministério da Saúde, está fazendo um levantamento que vai responder: as plantas têm, realmente, algum poder de cura? Para encontrar as respostas, é preciso conhecer os mistérios da selva. Trabalho para uma vida inteira. Desafio que fascina o botânico Juan Revilla. Ele é peruano, mas vive no Brasil há 20 anos. O botânico afirma que 300 plantas amazônicas, já catalogadas, mostraram um imenso potencial: poderão ser usadas na medicina, na fitoterapia e nas áreas de cosméticos e aromáticos. "Nós estamos fazendo a pesquisa em 120 mil metros quadrados de floresta. Estamos inventariando e coletando todos os indivíduos maiores de 10 centímetros. Com isso, devemos ter aproximadamente 2 mil espécies", revela o botânico.

Uma radiografia completa, de árvore em árvore. O tronco é medido, classificado e identificado. Para os galhos altos, um equipamento rústico, a peconha, facilita a subida e a retirada dos galhos. Mas quando o tronco não permite a escalada, as amostras são derrubadas à bala. Todo o material coletado é fotografado e depois embalado.

O xixuá é uma das plantas que fazem parte do levantamento do Inpa. No passado, flores e casca do xixuá só eram aproveitados para fazer licor. O produto tinha boa aceitação na Europa. Agora, a pesquisa pretende ampliar os conhecimentos sobre a planta.

A maripuama é outra planta. "Para os indígenas, ela é conhecida como mirantã; em Manaus, como marapuama; e em Belém, como mirapuama. A pesquisa no Inpa está tentando determinar o teor dos princípios ativos na raiz, na casca, na madeira, nos galhos e nas folhas. Nos mercados e feiras, é vendida como afrodisíaco", diz o pesquisador. Mesmo sem confirmação científica, a maripuama e outras plantas brilham nas farmácias populares da Amazônia.O Mercado Adolfo Lisboa, no centro de Manaus, concentra um grande número de vendedores de produtos naturais. São sementes, raízes e cascas, que servem para praticamente todos os males. O comerciante Vanderlei Souza ensina a fazer uma mistura afrodisíaca. "Primeiro pegamos uma cuia de pitinga virgem. Colocamos 50 gramas de guaraná para cada 100 gramas da mistura. O restante complementa com 10 gramas de mirantã, 10 gramas de catuaba, 10 gramas de nó-de-cachorro e 10 gramas de ginseng", explica o comerciante. São 50 gramas de guaraná e dez dos demais. "O guaraná é um pouco mais fraco que os outros", justifica Vanderlei.

Mas, afinal, a maripuama é mesmo capaz de melhorar o desempenho sexual de alguém? "Na pesquisa, estamos tentando provar se isso é verdade ou mito", diz o botânico Juan Revilla.


Mito ou verdade?

Há quem não espere pela resposta definitiva. Na rota dos pesquisadores, foi encontrado o uxi-amarelo (foto ao lado), árvore que alguns brasileiros consideram quase milagrosa. "A casca do uxi-amarelo é utilizada no tratamento de miomas. É feito um chá, que deve-se deixar ferver bastante. No caso específico do tratamento para mioma e cisto, é necessário tomar meio litro de uxi-amarelo de manhã e meio litro de unha-de-gato pela tarde", ensina o botânico.

A unha-de-gato (foto abaixo)é considerada um poderoso anti-inflamatório natural, usado contra gripes e viroses. A erva fortalece o sistema imunológico e também é recurso no tratamento de tumores.

Uxi-amarelo e unha-de-gato. Quantas vezes essa mistura já surpreendeu médicos e pacientes? A professora Carla Ribeiro e a vendedora ambulante Maria Neide Oliveira não se conhecem, mas estão unidas para sempre por histórias muito parecidas. No consultório médico, a professora e o marido olham emocionados mais uma ultra-sonografia. Durante sete anos, o casal tentou, sem sucesso, ter um filho. Os miomas, tumores benignos no útero, não deixavam. Carla fez várias cirurgias para extrair os miomas. Mas, depois de um tempo, eles surgiam novamente. Já desanimada, começou a tomar o chá de uxi-amarelo e unha-de-gato.

"O chá foi para redução dos miomas. Comecei em maio e em junho eu engravidei. Um mês depois", conta Carla. A gravidez é normal. A cada exame, Carla e Mailer ficam mais ansiosos pela chegada do bebê, que já ganhou um nome. "É um milagre, uma emoção maravilhosa. Por isso, colocamos o nome de um anjo: Gabriel", revela Carla. "Acredito que a gravidez signifique que o chá uxi-amarelo e unha-de-gato atuou e, de alguma maneira, reduziu os miomas que a impediam de engravidar. Com a minha experiência, hoje posso afirmar que ele dá um bom resultado", diz o médico Afrânio Melo Lins. "Gabriel é forte. Com certeza, ele quer muito vir ao mundo. Agora que ele está perto de nascer, só quero ver a carinha dele", diz Carla, ansiosa.

Outro Gabriel também é forte, saudável. O xodó da mãe. "Isso aqui é uma benção. Ele é um anjo na minha vida", exalta Neide. Um anjo que chegou de surpresa. Em agosto de 2001, o Globo Repórter mostrou o início desta história. Naquela época, Neide só queria acabar com um incômodo provocado pelos miomas. Eram tantos que ela tinha sido aconselhada por médicos a fazer uma histerectomia radical - a retirada cirúrgica do útero, ovário e trompas. Foi quando começou a tomar os chás de uxi-amarelo e unha-de-gato. Cinqüenta dias depois, o susto. "Eu achava que estava com outra doença, mais grave ainda. Depois de um mês sem menstruar, voltei ao consultório e disse para o médico que achava que estava doente", lembra Neide. A resposta do médico foi desconcertante. "Ele disse que eu estava com o mioma, mas que aquele mioma chorava, tomava mingau. Pensei que ele estivesse brincando comigo", diz Neide.

Enquanto estiver amamentando Yanno Gabriel, Neide não vai tomar os chás. Mas diz que os últimos exames revelaram que o uxi-amarelo e a unha-de-gato continuam e controlando os miomas. "Posso assegurar que 90% das pacientes que utilizaram os chás tiveram resultado satisfatório", diz o médico Afrânio Melo Lins.

Plantas e ervas medicinais da Amazônia um mercado em expansão


O interesse pelas ervas e plantas da Amazônia com aplicação nas áreas medicinais e de cosméticos tem aumentado cada vez mais. A exploração comercial dessas plantas apresenta perspectivas cada vez mais promissoras de se tornar uma atividade econômica rentável para o Amazonas.

Para o chefe da área de Botânica Econômica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o pesquisador peruano Juan Revilla Cordenas, doutor em Ciências Biológicas, o segmento tem tudo para crescer e se tornar uma atividade econômica lucrativa para o Estado desde que se profissionalize. Ele ressalta que o grande desafio é gerar emprego e renda para o ribeirinho, o caboclo, melhorando a qualidade de vida das pessoas que lidam diretamente com a coleta, armazenamento e venda das plantas medicinais.

O pesquisador afirma que o Inpa não é contra a tecnologia, apenas pretende que o crescimento da atividade de beneficiamento de ervas medicinais contribua para a melhoria de vida da população do Amazonas. "Temos que praticar um extrativismo planejado. Não é a descoberta de princípios ativos de remédios - grande interesse da indústria -, que vai ajudar", analisa Juan.

Segundo o pesquisador, os únicos beneficiados com a descoberta de novos princípios ativos são as poderosas multinacionais que fabricam os medicamentos. O caboclo que repassa seu conhecimento sobre os poderes medicinais das plantas não tem nenhum ganho.

Juan ressalta que muito já se pesquisou e produziu sobre o potencial das plantas medicinais da Amazônia. Ele informa que cerca de 300 plantas amazônicas, nativas e introduzidas, catalogadas pelo Inpa, têm potencial para as áreas medicinal, fitoterápica, aromática e de cosméticos. "O que falta é operacionalizar a produção local de medicamentos e cosméticos com a utilização de plantas amazônicas", afirma Juan. O pesquisador revela que é difícil fazer o caboclo entender que aquela planta que ele usa para curar uma doença tem valor comercial.

Juan aborda a operacionalização da atividade no livro "Plantas da Amazônia - Oportunidades Econômicas e Sustentáveis", publicado pelo Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae/AM), em parceria com o Inpa. O livro foi elaborado com a finalidade de disseminar a utilização das plantas da Amazônia, adequando estudos e pesquisas para a comercialização mercadológica.

O projeto para a elaboração do livro teve início no "Seminário Internacional de Plantas Medicinais - Oportunidades Econômicas e Sustentáveis", realizado em maio do ano 2000. O evento teve finalidade de popularizar pesquisas e tornar acessíveis conhecimentos sobre os mais variados produtos, como os derivados do camu-camu, a importância dos frutos do palmito, o perfil nutricional e a utilização da pupunha, a produção de sabonete de murumuru, entre outros.

Já esgotado, o livro possui catalogadas as potencialidades comerciais de 72 espécies de plantas da Amazônia, nativas e introduzidas, que têm aplicação garantida nas áreas medicinal e de cosméticos. Atinge um público de empreendedores da região porque mostra espécies que já alcançaram uma considerável fatia do mercado local, nacional e internacional. A segunda edição deverá estar pronta no segundo semestre deste ano e ficará sob responsabilidade do Inpa. Com o objetivo de facilitar a compreensão, as espécies foram divididas nos seguintes grupos: fitoterápicos, cosméticos, repelentes, inseticidas, complementos alimentares, corantes e fibras. E para retratar de uma forma clara cada espécie difundida, a apresentação do portfólio foi separada em três ramos: científico, tecnológico e mercadológico.

No primeiro, são apresentadas as transcrições das pesquisas já feitas sobre as espécies. O segundo ensina como manusear essas espécies de forma sustentável, sem agredir ou causar desequilíbrios ambientais. No ramo mercadológico, são descritos os preços do quilo das plantas em suas diferentes apresentações (casca, pó).

Uma das grandes contribuições do livro é estimular a inserção de produtos regionais no mercado nacional e internacional, através de empresas potencialmente exportadoras. Além disso, fornecer subsídios para os empreendimentos de incubação na Amazônia, a exemplo do Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial (Cide).

Para exemplificar suas orientações, Juan decidiu partir para a experiência prática, implantando um projeto em Manaquiri (a 65 quilômetros de Manaus) que estimula o plantio e a estocagem do óleo de três espécies não perecíveis: andiroba, castanha da amazônia e castanha sapucaia. "O objetivo é atingir este ano cinco mil litros de óleo", revela o pesquisador. O agricultor vai vender o óleo para a prefeitura, que deverá revendê-lo.

Cada litro de óleo foi estipulado em R$ 10. Antes de efetuar a venda para a prefeitura, cada agricultor terá seu produto analisado pelos laboratórios do Inpa para garantir a qualidade. Os recursos do projeto são do Sebrae/AM, Banco do Brasil, Inpa e prefeitura de Manaquiri.

Fonte: Jornal do Comércio - Dirigido - 06-06-01

25 mil espécies mundialmente conhecidas

Unha-de-gato, alfavaca, muirapuama, catuaba, cubiu, entre outras espécies amazônicas já são bem mais conhecidas em âmbito internacional do que os próprios amazonenses poderiam supor. De acordo com dados das instituições de pesquisa da região, cerca de cinco mil, dentre as 25 mil espécies existentes na Amazônia Brasileira e Internacional, já estão catalogadas e com suas propriedades conhecidas.

De acordo com o pesquisador Juan Revilla, que também é especialista em Inventário Florístico e Fitomassa pelo Instituto Max Planck da Alemanha, a muirapuama, uma planta popular na região por seus efeitos positivos em casos de impotência, atuando como um afrodisíaco natural e eficaz, está catalogada na farmacopéia inglesa desde 1900. Pare ele, o Brasil está atrasado um século na exploração desta espécie. A planta é encontrada no Amazonas, Pará e nas três Guianas.

Produção de cosméticos aproveita capacidade da natureza

O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae/AM) afirma, no estudo "Cosméticos à base de ervas naturais" da série Perfis Empresariais, que o setor é seguro e crescente, tanto no mercado interno quanto internacional. Afirma que não é tão arriscado iniciar uma pequena empresa de cosméticos à base de ervas naturais, utilizando-se da enorme biodiversidade do Amazonas.

Os técnicos do Sebrae/AM informam que os riscos do negócio são de grau médio, considerando a baixa escala produtiva de ervas existentes no Estado. Além desse fator, a preferência dos produtores é a venda nos mercados nacional e internacional.

Os riscos podem ser reduzidos se o empresário associar ao empreendimento industrial a atividade agrícola própria. De acordo com o estudo, dependendo da erva plantada, pode-se obter os óleos essenciais, possuidores do princípio ativo, tão desejado pela indústria cosmética e farmacêutica.

A produção de cosméticos é uma atividade que vem sendo praticada ao longo da história da humanidade. Mas segundo os técnicos do Sebrae/AM, a indústria está redescobrindo que o segredo está em saber aproveitar a capacidade criadora e transformadora do ambiente natural.

O mercado das regiões mais desenvolvidas, de culturas fortemente influenciadas pela onda naturalista que invadiu o mundo a partir dos anos 70, está recusando os aromas artificiais, os conservantes, os produtos sintéticos e as experiências com animais.

Segundo o estudo, na área da cosmetologia natural surgiram empresas que não oferecem remédios milagrosos. Essas organizações sabem que o cuidado da pele não possui objetivos puramente estéticos, preocupando-se em acentuar a beleza e manter a saúde.

O suprimento de insumos de uma empresa de cosméticos, de acordo com os técnicos do Sebrae/AM, pode ser feito no mercado local e no nacional, destacadamente em São Paulo, onde são obtidos os materiais secundários e de embalagem. No mercado local, podem ser encontrados os extratos, óleos e essências regionais. O estudo afirma que a aquisição de matéria-prima não representa nenhum entrave, pois existe uma oferta abundante, apesar de não organizada.

O estudo revela que foi identificada a existência de produtores que começam a plantar pequenas roças de ervas, destacando-se os municípios do Careiro, Cacau-Pirera e Envira. As ervas medicinais e aromáticas mais utilizadas em cosméticos no Brasil são: camomila, sálvia, aloe vera, verbena, alteia, prímula, angélica, alfazema, patchuli, jamborandi, babosa, menta, alecrim, jojoba, amor crescido, bonjuá, calêndula, arnica e hamamelis. Uma parte delas é de fácil produção na região da Amazônia. Os técnicos do Sebrae/AM aconselham os empreendedores a manter uma produção própria de ervas para não ficar totalmente dependente dos produtores.

O estudo adverte que como os produtos à base de ervas, flores, frutos e raízes são de custos mais elevados em razão das exigências dos principais mercados compradores, seus preços tendem a ser também elevados.